ÀBÓRÚ ÀBÓYÉ
“O Brasil é dos
cristãos é verdade; o Brasil é dos ateus, é verdade; o Brasil é dos
protestantes, é verdade, mas o Brasil também é dos macumbeiros”. Hédio Silva
Júnior, advogado.
Por Claudia
Alexandre
Minha
fé não violenta, alimenta! Foi com essa palavra de ordem que o povo do axé
amanheceu mais unido ontem, quinta-feira, 28, data em que o STF marcou a
continuidade do julgamento do recurso extraordinário (RE) 494601. Na pauta a
ameaça ao direito constitucional de liberdade de culto, com o pedido para que o
abate religioso, que fundamenta a tradição das religiões de matrizes africanas
fosse considerado inconstitucional, de acordo com o pedido do Ministério
Público do Rio Grande do Sul.
Além
de uma forte mobilização pelas redes sociais, centenas de sacerdotes e
sacerdotisas, de várias partes do país, desembarcaram em Brasília (DF), para
acompanhar de perto a sessão marcada para às 14 horas. A ação contou com a
defesa do Dr. Hédio Silva Júnior, Dr. Antônio Basílio e Dr. Jader Freire de
Macedo Júnior, que representaram a União de Tendas de Umbanda e Candomblé do
Brasil.
Por
unanimidade, o Tribunal negou provimento do RE 494601, fixando que “é
constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade
religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de
matriz africana”. A ação já tinha recebido dois votos a favor, em agosto do ano
passado, quando o ministro Alexandre de Moraes pediu vista do processo, que
teve como relator o ministro Marco Aurélio. Moraes em seu voto-vista, falou da
importância do sistema alimentar para as tradições das religiões de matriz
africana.
O
ministro Moraes disse ter identificado ainda uma “interpretação preconceituosa
da prática religiosa de terreiros de Candomblé por autoridades administrativas
e sanitárias, do Rio Grande do Sul, de onde partiu a acusação de que os cultos
afro-religiosos praticam maus tratos e crueldades contra animais. “O ritual não
pratica maus tratos. Várias fotos, argumentos citados por alguns amici curie
(amigos da Corte), com fotos de animais mortos e jogados em estradas e
viadutos, não têm nenhuma relação com o Candomblé e demais religiões de matriz
africana”, afirmou Moraes. O ministro Luís Roberto Barroso acompanhou o voto do
ministro Edson Fachin que reconheceu a total validade do texto integral, pelo desprovimento
ao RE. Afinal do voto, Barroso ainda fez uma saudação usada pelo povo do axé,
principalmente de Umbanda, e disse “saravá”.
Minha fé não
violenta
Foi
pela sua página na rede social que Yá Gilda, do Ilê Odeaxé Oxum, em São Paulo,
também comemorou o resultado, dizendo que o dia 28 de março de 2019 “entrará
para a história das religiões de matriz africana”. Segundo ela, todos os
ministros entenderam que o abate além de ser fundamental ao culto, é uma das
identidades e laços que os ligam aos orixás. “Ganhamos essa batalha, mas
estejamos atentos e saibamos que hoje, além de termos a proteção de cultuarmos
nossos deuses garantida pela constituição, temos matéria julgada pelo STF, que
nos diz que temos direito e não podemos ser respeitados”, lembrou Yá Gilda.
Muito
cumprimentado pelos seguidores que lotaram as áreas do STF, Dr. Hédio Silva Jr.
fez questão de agradecer as lideranças religiosas locais e também de estados
como Rio Grande do Sul, Paraíba, Recife, Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais,
São Paulo, entre outras. “O STF hoje, não graças as destrezas dos advogados, a vitória
que obtivemos hoje é graças a luta dos que morreram, dos que foram
encarcerados, dos que foram internados em hospícios, dos que foram humilhados,
dos que ficaram pela estrada, para que a gente mantivesse os nossos inquices,
os nossos orixás e os nossos voduns em pé. Os nossos ancestres são os donos
dessa vitória de hoje”.
Dr.
Hédio chamou a atenção para o resultado favorável ao direito à liberdade de
culto assegurado na constituição brasileira, ao falar que STF por unanimidade,
sem nenhum voto contrário reconheceu a dignidade das religiões afro-brasileiras.
“Eles reconheceram que a nossa religião tem que ser respeitada. Vários
ministros fizeram questão de dizer que a decisão de hoje era importante, muito
mais pelo recado que algumas pessoas precisam ouvir de que o Brasil é dos
cristãos é verdade; o Brasil é dos ateus, é verdade; o Brasil é dos
protestantes, é verdade, mas o Brasil também é dos macumbeiros”, comemorou. Pra
finalizar, o advogado aproveitou para deixar um recado ao povo do axé. “Que meu
pai Xangô continue mantendo nosso senso de justiça, a nossa unidade e a nossa
cumplicidade. Nós precisamos discutir menos sobre a cor da vela que nós
acendemos pra Ogum e mais como é que nós vamos fortalecer uns aos outros. Axé
pra todo mundo”.
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